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Marielle Franco, Presente!

Marielle, presente!

Ao longo da história, algumas mortes trágicas são fatos portadores de futuro, na medida em que ensejam mudanças que, muitas vezes, não podiam ser previstas. Foi o que aconteceu, por exemplo, em dezembro de 2010, quando o jovem tunisiano Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo em protesto contra as precárias condições de vida existentes em seu país. Bouazizi não tinha consciência dos desdobramentos dos seus atos, mas seu desespero foi o estopim de um dos mais significativos eventos sociopolíticos do século XXI, a Primavera Árabe, uma onda de revoltas populares que sacudiu o norte da África e o Oriente Médio, levando à deposição de governantes ou famílias há muito instaladas em suas posições de poder.

Mortes trágicas também são fatos portadores de futuro recorrentes na história do Brasil. Foi o que aconteceu em julho de 1917, quando o assassinato do ativista espanhol José Martinez foi o estopim de um dos maiores movimentos paredistas da história do país, a Greve Geral de 1917, evento cuja força repercutiu nas décadas seguintes, levando, ao fim e ao cabo, à promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Outra morte trágica que mudou a história do Brasil foi a morte do jornalista iugoslavo-brasileiro Vladimir Herzog, em outubro de 1975. Assassinado nas dependências do DOI-CODI, em pleno quartel-general do II Exército, sua morte foi fraudulentamente divulgada como suicídio por enforcamento. Grosseira, a fraude foi rechaçada pela opinião pública, doméstica e internacional, gerando uma onda de protestos que impulsionaram o fim da ditadura civil-militar de 1964.

Algo semelhante parece ocorrer com a morte da vereadora carioca Marielle Franco, 38, do PSOL. Oriunda da Favela da Maré, uma das mais conflagradas do Rio de Janeiro, Marielle nobilizou-se pela luta em favor dos direitos humanos e, particularmente, pela militância em favor dos direitos das mulheres e contra a opressão das populações favelizadas. Sua execução foi um crime de ódio. Um crime que se volta contra sua condição de mulher, negra, bissexual, favelada, intelectual militante e defensora dos direitos humanos. Ex-bolsista, formada em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ) e com mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Marielle foi a 5ª vereadora mais votada em 2016, notabilizando-se pela conduta ética e combativa no exercício do seu primeiro mandato. Marielle era uma voz em ascensão! Na noite do último dia 14, contudo, ao deixar um evento de mulheres no bairro boêmio da Lapa, Marielle foi executada a tiros, em um violento atentado que também vitimou o motorista do veículo onde estava, Anderson Gomes, 39.

Ocorrido no Largo do Estácio, o crime imediatamente mobilizou milhares de pessoas nas redes sociais. Em uma cidade na qual, infelizmente, assassinatos são cometidos diariamente, qual particularidade da morte de Marielle? A resposta é simples: a sociedade carioca, bem como brasileiros de todos os quadrantes, reconheceram que se tratava de um grave crime político. Crimes políticos ou de opinião são crimes cometidos contra pessoas públicas que levantam bandeiras e empreendem lutas importantes em defesa da sociedade e do país. São crimes que se voltam contra o próprio sistema político e, no caso brasileiro, contra do Estado Democrático de Direito. A vida de Marielle é tão relevante como a vida de qualquer outro cidadão brasileiro. Ela é tão importante quanto todas as demais vidas que pulsam no planeta. Contudo, a morte de Marielle é emblemática na medida em que ameaça todas as lutas e esforços que visam à consolidação da democracia e à construção de uma sociedade mais justa e fraterna. É uma morte que visa a silenciar vozes e bandeiras. Que pretende matar a esperança... daí sua singularidade e relevância.

Ao par de milhares de pessoas de todas as vertentes políticas e ideológicas que se solidarizam em face da morte de Marielle, há, lamentavelmente, aquelas que movidas pelo rancor e pelo desprezo, buscam trivializar sua execução, desqualificar sua luta e vilipendiar sua memória e seu legado. Assim, pulalam nas redes sociais insultos e inverdades, segundo os quais Marielle teria sido amante do ex-traficante Marcinho VP - supostamente o pai biológico de sua filha -, que teria sido eleita com os “votos do Comando Vermelho” ou que estava engajada na defesa de determinadas facções do crime organizado, dentre outros absurdos. Nada mais falso.

Marielle era uma militante da paz! Contraditoriamente, no entanto, esta militância pacifista parece ter sido decisiva para sua execução. No dia 28 de fevereiro, Marielle havia sido nomeada relatora da comissão parlamentar da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro que iria acompanhar a açodada intervenção militar na segurança pública do Rio de Janeiro, posta sob o comando do Gen. Braga Neto.  Também havia denunciado, no dia 10 de março, a violência e a corrupção no 41º Batalhão de Polícia Militar, o 41º BPM, conhecido como “batalhão da morte”. Poucos dias depois, foi executada. Parece nítido que a cúpula da intervenção não possui qualquer ligação com esse crime. Além disso, não se pode, no momento, tecer qualquer ilação ética e responsável entre sua execução e os facínoras instalados no 41º BPM. O certo é que todas as características deste crime apontam para o silenciamento de sua voz e da sua luta, como ocorreu com a juíza Patrícia Acioli, assassinada em agosto de 2011 em Niterói.

Também é certo que sua execução está diretamente relacionada com a “institucionalização” do crime organizado, que, a partir das atividades do jogo do bicho e dos porões da ditadura civil-militar, se irradiou para todo o país. Cancerígeno, o crime organizado fincou bases em parte das forças policiais e da burocracia estatal, bem como bem como na cúpula dos poderes públicos, estando ativo desde o mais recôndito município até o Planalto Central. Brutal, o assassinato de Marielle põe o Brasil definitivamente no mapa dos países nos quais a violência política atingiu patamares assustadores. Ele deve ser pensado no contexto da morte da juíza Patrícia Acioli e de sua luta contra o crime organizado, mas também da violência política, que, discretamente, vitimou 28 políticos, de diferentes partidos, em 17 estados brasileiros no pleito eleitoral de 2016. A maior parte dessas mortes, 15, ocorreu no Rio de Janeiro.

Na América Latina, somente países como Colômbia, México e Venezuela possuem patamares de violência política similares ao que estamos vendo no Brasil. A maioria destas mortes, contudo, não despertou a devida atenção da sociedade e dos poderes constituídos. Mesmo a morte de Patrícia Acioli não teve o condão de levantar a sociedade e alterar o patamar da luta contra as diferentes expressões do crime organizado, que, como insisto em afirmar, está antes nos poderes constituídos e nas elites políticas e econômicas do que nas favelas, para onde é sempre deslocado na perspectiva de criminalização da pobreza e do convencimento rápido da opinião pública. Por isso, evitar o processo de “colombização” do Brasil é uma tarefa urgente, que deve unir todos aqueles que possuem real comprometimento com a democracia e com a universalização dos direitos humanos, independente de raça, credo, etnia ou convicções político-ideológicas e partidárias. Que a morte de Marielle possa ser o início de um ciclo virtuoso no qual o ódio político e as diferentes expressões do crime organizado sejam extirpados do Brasil. Somos todos Marielle. Pela cidadania, pela prevalência dos direitos humanos, pela democracia e pela paz, Marielle Franco, presente!

Lier Pires Ferreira
Advogado, professor do Ibmec/RJ e do CP2




 







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