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“Peixões e peixinhos”:

a falência programada da (in)segurança pública no Rio de Janeiro
25/10/2024

 Lier Pires Ferreira

PhD em Direito. Professor do CP2. Pesquisador do LEPDESP/UERJ e do NuBRICS/UFF

           

O conflito entre Hamas e Israel é um elemento disruptivo da ordem internacional contemporânea. Em nítida escalada, em particular pelo envolvimento do Irã, este conflito afronta o bem-estar e a sobrevivência da humanidade, seja pelo risco de nuclearização, seja pela intrincada rede de alianças e interesses no teatro de guerra. O carioca, no entanto, não deve estar muito preocupado com isso. Afinal, ele tem seus próprios problemas.

            Na última quinta-feira, 24/10, três batalhões da PM foram para a região conhecida como Complexo de Israel, conjunto de favelas do subúrbio dominado pelo Terceiro Comando Puro (TCP), a segunda maior organização do narcotráfico local. Na Cidade Alta, controlada pelo traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, os policiais encontraram forte resistência armada de narcotraficantes entrincheirados e organizados na forma de milícia, com treinamento paramilitar, uniformes e avançados recursos tecnológicos. Sim, amigo leitor, tecnologias de ponta: moradores da região relatam que os acessos à Cidade Alta são sistematicamente monitorados por drones e câmeras, além, claro, dos tradicionais olheiros e fogueteiros do tráfico.

            Diante de um oponente tão bem estruturado, beneficiado pelo conhecimento do terreno e pela superioridade topográfica (a Cidade Alta, como o nome indica, fica em um plano superior à Avenida Brasil, por onde a PM acessa a favela), soou tão surpreendente quanto ridícula a declaração da porta-voz oficial da corporação, tenente-coronel Cláudia Moraes, segundo a qual a polícia deu curso à operação sem dados de inteligência. Oi! Sem dados de inteligência, tenente? A PM não esperava a reação dos narcotraficantes? É isso mesmo? Uma operação policial foi feita sem informações? Essa é a polícia militar de Cláudio Castro, o sempre boquiaberto (des)governador do Rio de Janeiro?

            Bem, diante desse cenário de amadorismo e incompetência, tivemos (mais) três cidadãos mortos no macabro “polícia e bandido” do cotidiano carioca: Paulo Roberto de Souza, 60, motorista de aplicativo, Genílson Ribeiro, 49, caminhoneiro, e Renato Oliveira, 48, comerciário, todos cidadãos-trabalhadores. Infelizmente, serão apenas mais três dígitos nesta estatística fúnebre, nesta bem-planejada guerra sem-fim.

            Planejada? Sem fim? É isso mesmo, professor? Infelizmente sim. Há mais de 40 anos o Rio de Janeiro produz e reproduz um fluxo perverso de (in)segurança pública que parte do policiamento de rua e bate no sistema penitenciário, após passar pelas delegacias, pelo Ministério Público e pelo Judiciário. Esse fluxo atende aos verdadeiros “peixões” da insegurança, os reais donos do poder, os que sustentam com ferro, sangue e fogo seus interesses políticos e econômicos.

Quem são eles? São vereadores, prefeitos, deputados, governadores, empresários e autoridades do Judiciário que se beneficiam da fragmentação do sistema de segurança e da cultura do medo imposta aos cariocas. Aqui também estão traficantes, bicheiros e milicianos que controlam territórios e atividades econômicas como jogos de azar, tráfico, prostituição, transporte alternativo, segurança privada e, pasmem, até a prestação de serviços públicos, muitos dos quais em parceria com empresas privadas, como água, luz, gás, internet, telefonia, saúde e educação. Por fim, também temos pseudo-religiosos, líderes comunitários venais, advogados inescrupulosos e outros “peixões” – muitos dos quais em altos postos em Brasília -, que lucram com o medo, a ignorância e o sofrimento daqueles cujo “corre” da vida é orgulhosamente oco de direitos e dignidades.

            Esse quadro funesto é turbinado pela bipolaridade esquerda vs. direita, pelo qual meias verdades são infinitamente produzidas em desfavor da cidadania. Frases como “A esquerda defende bandido”, “A polícia prende e o Judiciário solta”  ou “Alguém tem que fazer alguma coisa” já são axiomas sociais, retroalimentados tanto pelo pavor das esquerdas em lidar com mecanismos jus-políticos de coerção e controle social - afinal, como vejo nas escolas, nem tudo se resolve pelo diálogo e por ações educativas -, quanto pela negativa das direitas em estabelecer procedimentos institucionais e democráticos de controle público, inclusive orçamentários, que, uma vez fixados, revelariam as entranhas do poder. Daí as críticas à ordem que alimentam populismos e discursos extremistas, construindo mitos com pés-de-barro e falsos arautos da moralidade. Ao fim e ao cabo, uns mais, outros menos, muitos ganham com a falência da segurança, sempre lucrativa e com baixas toleradas, os tais “peixinhos”, sejam cidadãos-trabalhadores, criminosos ou policiais, todos igualmente irrelevantes e manifestamente descartáveis.

Em síntese, as dificuldades estruturais e estruturantes da violência no Rio de Janeiro emolduram a uma governança negativa que gera ganhos políticos e econômicos para as aves de rapina do poder. O crime organizado é lucrativo. A economia política do narcotráfico alimenta o arrego, a propina, o dinheiro vivo das campanhas, o caixa dois das empresas e outros mecanismos oportunizados pela “geopolítica das quebradas”, pelo controle territorial imposto à população, com a tácita anuência de autoridades políticas, empresariais, policiais e judiciárias. Daí o apreço pelas operações policiais, por este modelo quase carnavalesco de combate ao crime, cujos sons e imagens viralizam nas redes sociais, sustentando campeões de audiência. Neste modelo, pacientemente urdido, cuja eficácia está diretamente relacionada aos propósitos escusos que o sustentam, soluções imediatas do tipo “bandido bom é bandido morto” são legitimadas no asfalto e na favela, retroalimentando a falência programada da (in)segurança pública no Rio de Janeiro.

 

             

 




 











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